Stuart Mill: A utilidade da liberdade

John Stuart Mill foi educado pelo pai, o filósofo utilitarista James Mill, que lhe ensinou grego e aritmética em tenra idade. Também aprendeu cedo o latim com sua irmã mais velha. Aos sete anos já tinha lido alguns diálogos de Platão. Na sua autobiografia, informa-nos que leu alguns diálogos de Platão aos sete anos, mas não compreendeu o Teeteto e que se divertia escrevendo uma História do Governo de Roma e uma História da Holanda. Por volta dos 15 anos leu um tratado que expunha as ideias de Jeremy Bentham, um pensador, assim como o seu pai, da corrente utilitarista. Aos 20 anos, porém, o jovem Stuart Mill sentiu o peso dessa educação rígida e excessivamente intelectualista, sucumbindo à depressão. Afastou-se, então, do logicismo exacerbado do sistema de Bentham, assim como dos excessivos rigores racionalistas aos quais estava submetido. Foi quando acrescentou à sua formação a poesia de William Wordsworth, o romantismo de S. T. Coleridge e até mesmo a utopia altruísta de Saint Simon. Mas sobrevieram também as ciências naturais e o positivismo de Auguste Comte.

Percebe-se, pois, um claro ecletismo, que o acompanhou toda a vida e que ressoa na sua atuação como pensador, humanista, ativista político, parlamentar, jornalista, etc. Por vezes tal ecletismo mostra-se inusitado, mas, após o estranhamento, sobrevém o espanto com o seu gênio capaz de harmonizar perspectivas distintas, elevando a outro patamar a compreensão de determinados temas. Sua tentativa de levar ao psíquico os pressupostos teóricos rígidos das ciências naturais pode ser entendido como reducionismo, porém, seu interesse no trajeto do espírito enquanto ente histórico, assim como seu entusiasmo em relação aos potenciais do ser humano quando impulsionado por uma educação potente, alçaram-no à esfera dos pensadores que mais contribuíram para o desenvolvimento das ideias pedagógicas e morais de seu tempo, podendo-se afirmar da sua filosofia que foi uma das mais influentes no âmbito humanístico- liberal.

Embora se tente forçar, por vezes, uma sua aproximação com o socialismo, Mill jamais defendeu o dirigismo econômico. Pelo contrário, reiterou várias vezes a defesa do Laissez Faire, sendo, pois, mais correto dizer que ele era sensível à questão social, tendo refletido sobre o problema da justiça distributiva e entendido a cooperação como uma forma de liberdade, sem, porém, jamais perder de vista a importância da liberdade individual, mantendo-se fiel ao individualismo liberal, embora, conforme afirma José Gulherme Merquior, ele possa ser considerado “uma ponte intelectual entre o liberalismo clássico e o socialismo liberal.[1]

Embora lutasse pela ampliação democrática – tendo feito inclusive, enquanto parlamentar, petição em favor do sufrágio feminino – Mill tinha algumas preocupações em relação aos possíveis efeitos colaterais da extensão da participação popular. Temendo que autoritários e populistas pudessem auferir “ganhos para si mesmos com a manipulação do sentimento popular, ou que o próprio sentimento popular, perpassado por uma mediocridade ainda não destronada, pudesse redundar na tirania da maioria[2], Mill chega a defender, em Considerações sobre o Governo Representativo, um sistema de voto plural no qual o voto das pessoas educadas teria mais peso, o que, segundo Merquior, seria uma tentativa de “equilibrar a participação e a competência, o acesso democrático e o governo esclarecido.[3]”Vê-se, pois, a argúcia do autor no que compete ao universo político. Trata não apenas de ceder aos apelos populares, mas de convincentemente apoiar uma extensão gradativa do voto de acordo com a capacidade deliberativa a fim de que o regime não se corrompesse pelo populismo, hoje tão nefasto, equilibrando assim o princípio de participação com o princípio de competência.

Mesmo mantendo a crença no progresso, Mill rejeita a tecnocracia autoritária de Comte e mesmo sendo um utilitarista, ele rejeita o radicalismo de Jeremy Bentham, refinando a noção de felicidade para algo além de uma fruição imediata relacionada ao prazer material ou sensual.

Ao retificar alguns aspectos do utilitarismo, Stuart Mill torna essa doutrina menos incompatível com a liberdade do que o era nas reflexões de Bentham, que acabavam por justificar, por exemplo, o sacrifício da felicidade de alguns (e obviamente de sua liberdade também), caso isso servisse para maximizar a felicidade da maioria.

Conforme explica o professor Rodrigo Jungmann, a liberdade, para Mill, é “um componente basilar de obtenção de uma boa vida, de uma vida digna de ser vivida[4]”. Ela é “inviolável pelos outros e irrenunciável pelo seu detentor.[5]” Isso significa que, embora Mill não advogue a doutrina dos direitos naturais e inalienáveis, ele sustenta firmemente a defesa da liberdade, ainda que esta não seja um direito natural, mas um princípio derivado.

No livro “Sobre a liberdade”, Stuart Mill apresenta uma firme defesa da liberdade de pensamento, não apenas sob a óptica da sua importância para o indivíduo, mas também como fator indispensável pra o progresso da sociedade. A democracia liberal, portanto, é considerada um regime melhor não devido à sua eficácia, mas devido ao fato de proteger o direito de cada um julgar e se expressar livremente, mantendo instituições capazes de resguardar esse valor tão útil à sociedade que é a liberdade. O cuidado de Mill, portanto, recai sobre algo que vivenciamos de modo muito forte atualmente: os limites à liberdade de expressão advindos do poder exercido por aqueles que não aceitam dissidência, ou seja, a tirania de uma opinião pública intolerante.


[1] MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo antigo e o moderno. Editora Nova Fronteira. p.p.95 a 101

[2] JUNGMANN, Rodrigo. Introdução à sua

[3] MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo antigo e o moderno. Editora Nova Fronteira. p.p.95 a 101

[4] JUNGMANN, Rodrigo

[5] JUNGMANN, Rodrigo

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